quarta-feira, junho 29, 2005

A Terra


Sinónimo de vida, maternidade, lar… firmeza, fertilidade, suporte…
É o limite inferior do céu… o fim do mar… o princípio da civilização…
O que outrora foi rocha, nascida das profundezas é hoje farinha do tempo, capaz de dar e suportar vida.
A terra é o passado, enterrado em sangue, suor e lágrimas, renascido em futuro de louvores à perfeição e conhecimento… o fruto do passado…

De onde partem os sonhos a caminho do céu. Onde caem, já moribundos…

“Planto o meu espírito nesta terra, pois daqui vejo o céu…”

terça-feira, junho 28, 2005

O Retiro


Daqui vejo a imensidão do mar, a força das ondas que o percorrem até à costa, os barcos que nele navegam.
Aqui me abstenho de todas as correntes e sabores do vento, sem que nada me incline, ou abale.
Aqui reparo o meu barco do desgaste causado pelas vagas…
Aqui preparo as minhas redes, prontas a mergulhar nas águas…
Aqui busco o sossego forjado na tormenta das águas a estalar nos rochedos, lá em baixo…
Aqui descanso o corpo e o espírito, preparando o meu regresso… ao mar.

Por aqui me guio, na escuridão da noite, quando não há estrelas no firmamento… quando o mar me confunde…

quinta-feira, junho 23, 2005

A Pausa


A marcha cessou, por instantes abandono o caminho e olho o horizonte.
Falta tanto… ou tão pouco…
A vontade é o combustível de quem quer ir mais além, enfrentando o desconhecido e arriscando o conquistado, pelo prazer de viver e descobrir. Conquistar.
Mas o vento sopra, empurrando-me para a estrada… Incentivando-me a continuar…Num momento em que tudo parece estático, como que à espera dos meus passos.
A frescura da água corre-me as entranhas, apagando a desmotivação da alma. Calando as dúvidas. Consolando o coração e aliviando a consciência.
Fecho o cantil…
Recomeço a jornada.

terça-feira, junho 21, 2005

Memórias


O velho hábito deixou marcas profundas na terra…
Das fontes de água bebemos não só o fresco contentamento da sede, mas também o substrato discreto das raízes do mundo.

A terra foi dotada pela genialidade de todas as criações. Foi moldada por velhos anciães. Foi percorrida por milhares de gerações.
E cá estamos nós, a beber das raízes das plantas que ficaram.
Ah… Velho hábito. Se soubesses o quanto me perturbam as tuas memórias, ou o quanto roubaste com a tua justiça…

Mas continuas a ser paz de espírito e mão na consciência. Continuas a ser regra e vaidade. Continuas a ser obrigação e liberdade. Poder libertino…

Mas tal como os velhos morreram e foram esquecidos, o tempo desgastar-te-á e findará com a venda que nos metes pelos olhos dentro.

O tempo é mais sábio do que tu…

segunda-feira, junho 20, 2005

A água


Olho o infinito reflectido na água salgada das minhas lágrimas...

A água... bela morada de ninfas, sereias e outras musas... É fonte de vida e origem de todos nós...
Uma ambiguidade humana é essa que serpenteia os rios... Todos a encaramos como um símbolo de beleza e tranquilidade, mas nunca damos a beber ao nosso cérebro os seus dotes físicos naturais... pois ela é clara, cristalina... e fria.
Doce é ela pelo nosso rio abaixo... Salgada no fim... tarde demais...

quinta-feira, junho 16, 2005

Lá longe…

Quando olho o passado, procuro os minutos belos em que a consciência me abandonou… esses orgasmos animais de que somos privados de olhos abertos…
Fecho os olhos em busca de uma escuridão relaxante, em busca de um vazio bruto de imagens e pensamentos… mas as luzes de mil conceitos encandeiam-me como a cegante luz do sol quando o desafiamos…
Não consigo deixar de pensar. Se por instantes conseguisse abandonar o meu espírito e tornar-me só corpo… Vejo, lá longe, cada vez mais longe a escuridão que me acalmava… como um ponto negro no meio do sol…
Preciso beber ignorância… Somar e multiplicar as letras e frasear os números. Quero o universo de pernas para baixo! Quero a falência da lógica! Quero aberrações em gritos sonantes!
Só por um instante… por pouco que seja…
Preciso… do nada…


Vejo que o conhecimento é irreversível. A iluminação é agora eterna…

terça-feira, junho 14, 2005

Choram os sonhos e as lagrimas...

Nem sempre estamos à altura de nós mesmos. Sim, por vezes somos reduzidos a uma sombra de nós. E o pior é que somos o agente redutor... Temos pena... fazemos as nossas lágrimas chorar... deitamo-nos no nosso próprio sepúlcro...
Se não és capaz de te amar, esperas que outros o façam...
Sim, o sonho pode mover a vida, mas qual é a função dos pesadelos?
Lembra-te que em tempos negros de tristeza não poderás nunca escolher entre sonho e pesadelo, nem mesmo quando estiveres acordada.

O pior das lágrimas é afectarem a visão... as coisas deixam de ser tão nítidas...

Se um dia acordares de um sonho mau, lembra-te que a realidade jamais será um... Não tardará o dia.
Era uma vez um sonho em que todos se amam e vivem felizes para sempre... um sonho daqueles bonitos e perfeitos... em que tudo de bom acaba por vingar e florescer... em que as rosas não têm espinhos... em que todas as tristezas se redimem num longo beijo... e a vida só acaba com o ensurdecedor barulho do despertador, triste mensageiro da realidade...

Apelo

Amparo-me em ti, caneta amiga, e vejo como fundo o branco do papel em contraste com a negra noite minha. Seduzo as ténues linhas para que me endireitem e conduzam, num borrão de tinta em papel sem nexo...

A face


Julgo ser o rosto de alguem ausente. Não estou em mim.
Não reconheço os traços, nem as feições que lhe ditam a forma.
Este rosto não sou eu!

Sou os juizos e os conceitos que crio!

Sou as trovas e os sonetos que canto!

Sou a alegria e a tristeza que personifico!

Mas não! Não sou o que vedes aqui...

Ninguem existe nos olhos de outrem...

Eu existo na memória de quem me conhece...

Não quero existir no rasgo de realidade que os outros vêm!

Momentos

Escrevo a uma distância não terrena de 20 mil estados de submersão em pensamento… Estou em relativa peripécia mental. Sinto uma estranha vontade… Decerto vivo…
Estúpidos vão os tempos… entulhados de nuvens tristes e coisas afins… Não percebo a lógica do vento, esse que engana o meu papagaio de papel… empurrando-o para tristes paisagens perfuradas com oásis de determinação e coragem…
Tudo confundo…tudo confuso… pouso de leve os meus olhos em flores que crescem no meio dos campos baldios, e encho de esperança o meu coração, qual pedra que o tempo desgasta… Ah, as flores… pequenos sopros de vida que perfuram a terra… frágeis e belas, como todos os batimentos no meu peito…
Imagino um mundo diferente. Gosto de pensar que existe um lugar onde tudo se torne claro e simples. Dou comigo a pensar em coisas e pessoas que não existem… Triste me torno e pinto o meu mundo real com as cores dessa tristeza, fruto da minha frustração imaginativa… Sonho apenas para afrontar a minha razão, numa tentativa de lhe fazer ver que há algo para além dela… mas em vão me esforço… em vão imagino… em vão me entretenho… Pois a forte determinação da razão é a coragem que falta aos sonhos bonitos da imaginação…
Tristes vão os tempos… estúpidas as nuvens que choram em fundos de alma… e coisas afins…

Inércia

Papel e caneta. Apenas isso, nem mais. Capazes de identificar traços puros de alguém ausente. Não quero representar, apenas lembrar quem não está. Risco leves traços de um rosto que desconheço na totalidade, mas que amo por inteiro. Sinto a falta de quem está sempre comigo, pelo menos em pensamento.
Se algum dia chegar um momento mais especial do que os passados, se algum dia trocar amizades por amores, deixarei este mundo para habitar um outro, o teu. Neste momento gostaria que colorisses o meu mundo, ou que me deixasses passear no teu. Talvez fazer parte dele. Dou asas a mim mesmo, numa aventura em que não sei se me quero lançar.
Paro e escuto músicas vadias. Espero que algo mude... Espero que um toque teu me acorde desta inércia...

segunda-feira, junho 13, 2005

Esperança


A esperança percorre-me as veias ao vislumbrar a imensidão do mar...
O medo abandona-me a pele e sinto o frio do vento agreste banhado de mar...
As luzes publicas acendem, a noite está a chegar...
Não tenho medo...

O Púlpito


Cessa o velho púlpito. Naufragado nas entranhas do conhecimento.
Parto para longe de ti, prisão cognitiva.
Vou onde a razão me levar.
Não pregarás mais o medo e a abstenção... inibidor de personalidades...
Eu sei!
Eu sei!
Eu sei!

Partida


A perdição é onde me encontro... Acabam-se os meus gritos mudos. Dou voz a uma música diferente de tudo o que existe. Algo que transcende o possível e imaginário... Algo que dorme entre a montanha e o céu...
Do meu bosque obscuro saio em busca de luz...

Segue o teu destino

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Ricardo Reis